segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O Mundo É Demais Conosco

Uma tradução livre, bem livre, do poema do Wordsworth. A desconexão do ser-humano das coisas naturais já é um traço detectado de longa data. Em Belle Verte, não há dúvida de que o artifício do programa de desconexão, é, de fato, um programa de reconexão. Reconexão com a realidade da natureza, dos fatos, dos atos. Tal desconexão atual tem nos feito pensar na natureza como algo extrínseco ao nosso ser, e, por consequência, destruí-mo-la, buscando atender muitas de nossas falsas necessidades.

O mundo é demais conosco

O mundo é demais conosco; outrora e agora,
Tomando e exaurindo, desperdiçamos nossos poderes;
Pouco vemos na Natureza do que é nosso;
Atiramos fora nosso coração, sórdido presente;
Esse mar que revela o peito à lua,
Os ventos que seguem uivando às horas,
Agora unidos como flores dormentes,
Disso, de tudo, estamos desconectados;
Não nos movem. - Grande Deus! Preferiria
eu ser Pagão nutrido em credo antigo;
Então, estendido ao agradável prado,
Teria um relance que me faria menos desolado;
Teria a visão de Proteu alçando-se do mar;
Ou ouviria o velho Tritão a soprar seu corno retorcido.

[William Wordsworth, trad. Júnior Vidal]

The world is too much with us

The world is too much with us; late and soon,
Getting and spending, we lay waste our powers;
Little we see in Nature that is ours;
We have given our hearts away, a sordid boon!
This Sea that bares her bosom to the moon,
The winds that will be howling at all hours,
And are up-gathered now like sleeping flowers,
For this, for everything, we are out of tune;
It moves us not.--Great God! I'd rather be
A Pagan suckled in a creed outworn;
So might I, standing on this pleasant lea,
Have glimpses that would make me less forlorn;
Have sight of Proteus rising from the sea;
Or hear old Triton blow his wreathed horn.


[William Wordsworth]

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Soluções Locais Para Uma Desordem Global

"Alarmantes e catastróficos filmes foram feitos e eles tem cumprido seu propósito. Agora é hora de mostrar que existem soluções, dar voz a camponeses, filósofos e economistas, que estão inventando e experimentando novas alternativas, enquanto explicam o porque nossa sociedade se depara com a corrente crise, ecológica, financeira e política." (Coline Serreau. trad. nossa)








Este documentário pode ser considerado uma extensão mais prática de La Belle Verte. Tratando basicamente de temas ambientais, dá idéias (soluções) de como resolver os problemas da produção de alimentos, fugindo da "tradicional" mecanização tóxica atual. Entrevistados do mundo inteiro relatam suas experiências e nos ensinam uma agricultura mais saudável e menos impactante ao meio-ambiente. A primeira cena do doc faz uma alusão direta ao Belle Verte, com closes dos olhos de vários animais. Eu acho a música original muito bonita!
Detalhe: ainda não há legendas em português, alguém se habilita?
Aqui uma versão em espanhol: http://docverdade.blogspot.com.br/2012/10/solutions-locales-pour-un-desordre.html

Visite o site oficial. Lá você encontra o trailer e muitas outras informações:
http://www.solutionslocales-lefilm.com/

Abundância

"A possessividade é a fonte da escassez." (Satish Kumar)
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Na media em que os "verdes" limitam o uso de utensílios, fundindo metal uma vez por ano, vivendo ao ar livre, sem abrigos construídos, eles automaticamente criam a abundância. Quanto menos necessidades eles têm (ou criam), mais satisfação é atingida. Atualmente os partidários da simplicidade-voluntária agem de maneira semelhante, não apenas pensando em seu bem-estar, mas de todo um sistema, evitando o desperdício de recursos, resguardando a vida de animais e plantas.

Júnior Vidal
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"Os povos mais primitivos da terra tinham poucas posses, mas eles não eram pobres. Pobreza não é uma pequena quantia de pertences [...]; é, acima de tudo, uma relação entre pessoas. Pobreza é um status social." (Marshal Sahlins)

REFERÊNCIAS:

KUMAR, Satish. Jainismo: plural por princípio.
Link: http://tautologiatotal.blogspot.com.br/2012/11/jainismo-plural-por-princicio.html
SAHLINS, Marshal. The Original Affluent Society.

Humor

"Contra piadas não há argumentos." (Franz Kafka)
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Uma das maneiras mais eficazes de chamar a atenção de alguém é através do humor. Nele, se a piada for boa, e estiver em sintonia com as vivências e expectativas do interlocutário, a troca de informações ocorre sem traumas, nem tédio. No humor podemos tratar de assuntos singelos, pueris, ou de assuntos de grande "importância" e profundidade. La Belle Verte, pra mim, enquadra-se no segundo caso. Através de um humor fino e vivaz, a atenção do espectador é mantida ativa, em meio a um conteúdo extremamente crítico ao ethos/mores/behaivor/comportamento artificializante da nossa sociedade atual (e antiga, visto que somos uma decorrência de civilizações antigas, de suas religiões, filosofias e tecnologias). A idéia do humor não é nova: Ridendo castigat mores (rindo castiga-se o costume/comportamento), reza a máxima voltairiana, apropriado pelo teatro de Molière. A comédia no teatro, diga-se, é bem mais antiga que um "Avarento", remonta à Aristófanes, mutadis mutandis, desembocando no século XX em Alejandro Casona, por exemplo. No cinema, tudo idem, a idéia de misturar coisa séria com comédia também não é nova. Ilha das flores, Brazil, Meu Tio, A Vida é Bela, La Belle Verte.

Júnior Vidal
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"Rir é o melhor remédio, achar graça, a única saída" (p. leminski)

O vício

As flores que nossa alma descuidada
Colhe na mocidade com mão casta,
São belas, sim: basta aspirá-las, basta
Uma vez, fica a gente enfeitiçada.

Nascem num prado ou riba sossegada,
Sob um céu puro e luz serena e vasta;
Têm fragrância subtil, mas nunca exausta,
Falam d'Amor e Bem à alma enlevada...


Mas as flores nascidas sobre o asfalto
Dessas ruas, no pó e entre o bulício,
Sem ar, sem luz, sem um sorrir do alto,

Que têm elas, que assim nos endoidecem?
Têm o que mais as almas apetecem...
Têm o aroma irritante e acre do Vício!


(Antero de Quental)

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A bela verde, quando chega à terra, sente um choque. A poluição do ar, a poluição sonora, os alimentos tóxicos, a falta de água natural, todos são fatores que lhe causam estranheza. Ou seja, ainda não estava habituada a conviver com tudo isso, ainda não estava "viciada".


quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Max e o motorista

Parte do diálogo dessa cena, um quase monólogo de Max [trad. nossa]:

-[Max] É horrível o que te aconteceu!
-[Condutor] O quê?
-[Max] Eu disse "é horrível o que te aconteceu!" 
Na terra há quatro caras em cinco que morrem de fome. Há os que vivem em cavernas por causa de bombas. Os que apodrecem de câncer e de aids nos hospitais. E há mulheres que são violadas por quatro caras ao mesmo tempo para que saibam melhor quem é o chefe. E há você! E te aconteceu uma coisa horrível! Nós encostamos no seu retrovisor!
-[Condutor] Meu senhor, acalme-se, meu senhor.
-[Max] Há as árvores acima de você, com folhas que se mexem com o vento. Já olhou para as árvores? Há a sua mulher, que é bela e que perde a juventude te cozinhando creme de cogumelos enquanto você a trai. E os seus filhos com a pele macia e bela. Já agradeceu alguma vez na vida pela pele macia dos seus filhos? E há as vacas que te fazem leite, manteiga e queijo todos os dias, já disse "obrigado" às vacas?!!!
-[Condutor] Mas você esta louco, meu senhor?
-[Max] Ela é bela, sua vida é bela, meu caro. Ela é bela, bela, bela pra valer. Mas, nossa!, o problema é que encostamos no seu retrovisor. É horrível! horrível!


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Considero essa uma das melhores cenas do filme. O motorista (à esquerda da foto) fica furioso porque o carro conduzido por um dos filhos da bela verde toca o retrovisor de seu carro. Ele não se mostra em nem um momento disposto a ouvir os pedidos de perdão de Max, que chega a postar-se de joelhos. Ele só repete insistentemente: "idiota", "idiota", "idiota".  Max não resiste à investida agressiva do motorista e solta o verbo num discurso inflamado. A partir daí o motorista já começa a mudar a sua postura. Para completar, ele sofre ainda uma dupla desconexão (Mesaje e Mesaul o desconectam). Curiosamente, seguido ao seu rompante de violência, o motorista, após a desconexão, é capaz de pronunciar apenas duas palavras, são algumas das ditas "palavrinhas mágicas": perdão e obrigado. Também não é à toa escolher essa situação, um "problema" de trânsito, para exemplificar um momento de explosão raivosa. Isso já é um fato corriqueiro e bem conhecido em muitas sociedades. Eu até hoje tive apenas um problema andando de bike por aí, e até hoje não entendo porque o motorista de um carro olhou nos meus olho e disse, vagarosamente, de boca cheia, "seu iiidiiiooota!". Confesso que eu não estava de todo certo, mas ele também não. A ofensa dele não serviu pra nada. Se fosse outro, retrucava o xingamento, o que também não iria acrescentar nada ao "problema". Eu sorri, pedi desculpas, e continuei ouvindo meu Doors.

Júnior Vidal

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A cena em questão:

Na loja de música


Diálogo:

- [Max] Senhora, você sabe com quem está falando?
- [Mila] Com você... estou falando com você...

Max boicotando a TV


Civilização II


"Tu, que tens a mania das Invenções e das Descobertas
e que nunca descobriste que eras bruto,
e que nunca inventaste a maneira de o não seres
Tu consegues ser cada vez mais besta
e a este progresso chamas Civilização!"

[Cena do Ódio, Almada Negreiros]